Nutrição Enteral em Pediatria

Rubens Feferbaum MD, PhD

Indicações de uso:

A nutrição enteral por sonda está indicada em pacientes desnutridos ou em risco nutricional quando a via oral está contraindicada ou não supre as necessidades nutricionais. As vantagens da técnica em relação à nutrição parenteral incluem o menor custo, facilidade de instalação e manuseio, menos complicações de ordem metabólica, manutenção do trofismo e fisiologia intestinal, além da diminuição da colestase devida à nutrição parenteral prolongada.

Nutrição enteral do Recém-nascido(RN) e lactente:

RN de termo adequado para idade gestacional (RNTAIG) devem ser alimentado exclusivamente com leite materno até os seis meses de vida; alimentos de transição (sopinha de legumes, frutas, sucos) devem ser oferecidos gradativamente após este período. De acordo com a OMS o aleitamento ao seio deverá continuar até os dois anos de vida. Em caso de doença ( anóxia, infecção, diarréia) deve-se manter o leite materno. Se o lactente não conseguir sugar o peito da mãe, utiliza-se alimentação por sonda naso ou orogástrica de silicone ou poliuretano 8-10 F com leite materno extraído da mãe por expressão manual ou bombas de aspiração manual ou elétricas. Alguns países da América Latina utilizam leite de banco de leite humano regulamentado segundo normas locais.

As fórmulas de partida (1o semestre) e seqüenciais (2o semestre) são utilizadas na ausência de leite materno. O uso de fórmulas especiais (poliméricas completas ou não, semi-elementares, elementares , especiais para erros inatos do metabolismo) estão indicadas conforme a necessidade da criança (tabela 1) . De maneira geral não é utilizada alimentação por sondas transpilóricas de localização duodenal ou jejunal pelo risco de contaminação do intestino delgado e enterocolite necrosante durante o período neonatal (ECN).

O uso de estomias, especialmente gastrostomias cirúrgicas ou endoscópicas percutâneas está indicada nos casos de longa permanência da sonda gástrica (> 6 semanas) e nos casos de comprovada dificuldade de sucção-deglutição (paralisia cerebral) ou mal formações da face (ex. Síndrome de Pierre Robin) e ainda, nas exclusões do trato digestivo superior.

Recém-nascido de baixo peso:

RN com idade gestacional (IG) > 34 semanas devem ser colocados para mamar no seio da mãe se as condições clínicas permitirem. RN com IG < 34 semanas e/ ou menores de 1500g precisam ter avaliação da sucção deglutição por fonoaudióloga ou enfermeira especializada. A maioria destes RN é alimentada por sonda orogástrica de poliuretano 5-6 F em intervalos 3/3 horas (1200-1500g),

2/2 horas (<1200g) ou contínua (microprematuros <800g; prematuros gravemente enfermos em ventilação mecânica).

Deve-se iniciar a alimentação (1-25 ml/Kg/dia) o mais precocemente possível no 1o dia de vida (exceto anoxiados); é o que denomina-se nutrição enteral mínima ou trófica. Os incrementos diários são de 25 ml/Kg/dia conforme a tolerância do RN e a presença de resíduo gástrico. Em prematuros muito pequenos e/ou gravemente enfermos que apresentam intolerância à alimentação enteral frequentemente associa-se nutrição parenteral durante período variáveis.

O leite humano é o alimento de escolha para o RN prematuro por suas características biológicas (fatores imunológicos, maturação intestinal) sendo nutricionalmente adequado até a 2a-3a semana de vida do prematuro. As altas necessidades energético-protéicas, dos minerais como sódio, cálcio e fósforo, vitaminas e oligoelementos (zinco, especialmente) podem ser supridas pelos aditivos do leite humano utilizados quando a ingestão do leite for superior à 100 ml/Kg/dia (vide tabela 2). A transição da alimentação por sonda deve ser precedida de estímulo da sucção deglutição a partir da 34a semana de idade pós-conceptual (tabela 2). Nesta situação a criança pode ser mantida junto à sua mãe segundo o método canguru.

Na ausência do leite humano podem ser utilizadas fórmulas desenhadas para prematuros que se caracterizam por apresentar maior densidade energética (~80 Kcal/100ml), maior concentração de proteínas de soro de leite (60:40) e adição de aminoácidos condicionalmente essenciais (taurina), ácidos graxos essenciais provenientes de óleos vegetais ( linoléico e alfa linolênico), mistura de polímeros de glicose e lactose e concentrações adequadas de cálcio e fósforo (2:1), vitaminas e oligoelementos. Algumas fórmulas contém LCPUFAs (ácidos araquidônico e docosahexanóico) importantes na mielinização do sistema nervoso e desenvolvimento da visão.

Nutrição enteral no pré-escolar e escolares:

A via de acesso mais frequentemente utilizadas ao trato gasrointestinal é através da passagem de sondas naso ou orogástricas. A localização gástrica é a preferida a não ser em casos de risco de aspiração em crianças gravemente enfermas (intubados, sepse, íleo infeccioso) quando prefere-se a via transpilórica. Nesta situação a sonda é passada por visualização radioscópica ou através de endoscopia ou cirurgia, sendo localizada ao nível da 3a porção do duodeno ou jejuno.

As gastrostomias por via cirúrgica ou endoscópica percutânea estão indicadas quando a nutrição enteral por sonda é de tempo superior à 6 semanas ou nos casos de impossibilidade de aceitação permanente pela via oral.

Atualmente existem no mercado um grande número de dietas desenhadas especificamente para suprir as necessidades nutricionais da criança com doenças específicas. De maneira geral as dietas de alta osmolaridade ou poliméricas completas que necessitam maior processo digestivo são passadas via gástrica. A nutrição transpilórica é mais adequada com o uso das dietas oligoméricas ou elementares, respeitando-se a osmolaridade adequada ( tabela 1) .

Monitorização e complicações da alimentação enteral:

As crianças em nutrição enteral devem ter monitorado diariamente a ingestão de calorias, fluídos, macronutrientes, minerais e vitaminas e das perdas renais e extra renais (débito de sonda, diarréia, vomitos). Determinação do peso diário e avaliação nutricional semanal com outras medidas antropométricas são de maior importância.

Laboratorialmente deve-se monitorar a glicemia, eletrólitos e a gasometria com sinais de acidose metabólica; a uréia e creatinina podem ser indicadores de repleção protéica.

A principal complicação clínica é a intolerância gastro intestinal representada por vomitos ou diarréia, melhor controlados pelo ajuste da velocidade de infusão da dieta enteral e da sua osmolaridade.

Tabela 1. Seleção de fórmulas utilizadas para nutrição enteral em pediatria

Classificação

Características

Produto (Brasil)

(< 1ano)

Prematuros (<1500g)

60 lactalbumina/ 40 caseína

Pré-Nan®

 

MCT/LCT; lactose/ polímeros de glicose

Aptamil pré®

 

Cálcio/Fósforo 2:1

(c/ LCPUFA)

RN de termo

60 lactalbumina/ 40 caseína

Nan 1®

 

C/ LCPUFA

Aptamil1®

Intolerância à lactose

Proteína isolada de soja

Aptamil soja 1®

ou alergia à proteína leite de vaca

isenta de lactose 

Nan Soy®

Síndrome de má absorção

Hidrolisados protéicos /TCM

Pregomin®

Esteatorréia, redução ileal

Aminoácidos livres 

Neocate®

Sensibilidade à caseína ou soja

 

Pregomin®

Neocate®

Má absorção e diarréia protrída

 

Neocate®

(De 1à 6 anos)

Alimentação por sonda

Nutrição completa (1 Kcal/ml)

Nutrison®

 

> densidade calórica, sem lactose

Pediasure®

Módulos

Carbohidratos

Oligosac®; Polycose®

 

Gorduras(MCT) 

Trigliceril®

 

Proteínas

Caseical®

BIBLIOGRAFIA:

Oba J, Feferbaum R, Falcão MC, Mataloun M, Sarni R, Ceragioli F, Carrazza FR. Atualização das fórmulas e dietas enterais em pediatria. Rev Paul Pediatria 17(3):141-145, 1999

Feferbaum R, Cardoso AL, , Sakita NAK, Okay T, Inoue M, Vaz FAC. Determinação do gasto energético em recém-nascidos com sepse.  Rev Bras Nutr Clinica 14(Suppl. 1): 12, 1999

Canavó PRL, Santos PZ, Lima IN, Feferbaum R, Diniz EMA, Santoro ALG, Vaz FAC. Nutrição enteral contínua em prematuros gravemente enfermos.  Rev Bras Nutr Clinica 14(Suppl. 1): 155, 1999

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Gleghorn EE. (eds.). Selected Review in Nutrition Support. ASPEN,      New York, 1997